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MÉDICOS QUE MUDARAM O MUNDO

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O Cirurgião que Introduziu um Cateter Uretral no Próprio Coração e Inventou o Cateterismo: A Incrível História de Werner Forssmann

Este artigo foi elaborado com ajuda do “AMIGO INTELLIGENCE” por Dr. Gustavo Carvalho.

Nos turbulentos anos 1920, a Alemanha vivia as consequências devastadoras da Primeira Guerra Mundial: a economia em ruínas, hospitais desabastecidos, escassez de comida e materiais básicos e um sistema médico que lutava para se reerguer. Foi nesse cenário de penúria e caos que um jovem cirurgião ousou desafiar as regras da medicina da época e arriscou sua própria vida para provar uma ideia que mudaria o mundo da cardiologia. Seu nome era Werner Forssmann, e sua história parece mais um roteiro de cinema do que um episódio científico.
A forma como ele provou sua teoria é lendária: na calada da noite, em um pequeno hospital de interior, introduziu um cateter em seu próprio braço e o avançou até o coração, capturando em Raios X a primeira imagem da história de um cateterismo cardíaco humano.


Um Idealista Rodeado de Incredulidade

Desde cedo, Forssmann sonhava em curar doenças cardíacas por meio de procedimentos menos traumáticos. Naquela época, o coração era território desconhecido e temido — as cirurgias cardíacas eram extremamente perigosas e quase sempre letais. Os colegas de hospital riam de suas ideias: introduzir um cateter no interior do coração através de uma veia do braço? A maioria via isso como loucura ou delírio.
Mesmo assim, ele não recuava. Inspirado por um antigo experimento em que se colocava um cateter na jugular de um cavalo, Forssmann viu ali a chance de revolucionar o diagnóstico das cardiopatias: se pudesse alcançar o coração por meio da veia antecubital, poderia medir pressões intracardíacas, administrar medicamentos e até avaliar lesões sem a necessidade de grandes incisões.


A Cena Digna de Romance: A Enfermeira Amarrada

Em 1929, no Hospital Distrital de Eberswalde, Forssmann convenceu a enfermeira Gerda Ditzen a ajudá-lo. A princípio, ela aceitou, mas com uma condição: seria ela a “cobaia” do experimento, temendo que o jovem médico arriscasse sua própria vida. O plano era ousado: utilizar a sala de Raios X para acompanhar a localização do cateter e registrar seu trajeto.
Contudo, no momento crucial, Forssmann amarrou Gerda à maca, fingiu que iria anestesiá-la e incisar seu braço, mas, na verdade, com anestésico local, já havia anestesiado o próprio braço e começava a deslizar um cateter ureteral pela sua veia antecubital. Quando Gerda percebeu o que estava acontecendo, tentou protestar, mas já era tarde demais: o cateter deslizava silenciosamente rumo ao coração de Forssmann.

O Caminho Silencioso até o Coração

Após libertar a enfermeira, ambos desceram às pressas até a sala de Raios X. No escuro daquele ambiente clínico, apenas o brilho do fluoroscópio iluminava as expressões tensas e incrédulas. Impossível descrever a mistura de medo e fascínio que tomou conta de Gerda quando ela viu, em tempo real, o tubo fino e flexível avançando pelo interior da veia, atravessando o ombro e chegando ao átrio direito do cirurgião.
Qualquer batimento fora do ritmo, qualquer movimento brusco, e o procedimento poderia provocar arritmias graves ou até um colapso circulatório. Mas Forssmann manteve a calma. E, no registro radiográfico daquela noite, capturou em uma placa de filme de Raio X a imagem que mudaria para sempre a história da cardiologia.


Da Suposta Glória à Queda: “Você Não Pode Começar a Cirurgia Desta Maneira”

No dia seguinte ao experimento que mudaria para sempre a história da cardiologia, o Hospital de Eberswalde foi tomado por um misto de choque e curiosidade. O diretor, furioso, acusou Forssmann de imprudência e insubordinação, alegando que ele havia violado os princípios médicos mais básicos ao testar sua ideia sem supervisão. No entanto, ao ver a radiografia histórica, não pôde ignorar a magnitude da descoberta. Impressionado, permitiu que o jovem cirurgião repetisse o procedimento em uma paciente em estado terminal, administrando medicação por cateterismo diretamente no coração da grave enferma. A melhora momentânea, porém fugaz da mulher parecia um prenúncio de triunfo, uma validação prática da ideia visionária de Forssmann.
Mas o entusiasmo durou muito pouco. A hierarquia médica alemã não estava preparada para aceitar um residente rebelde como pioneiro de uma nova técnica. O apoio do hospital se esvaiu rapidamente, e logo Forssmann percebeu que seu futuro em Eberswalde estava selado. O jovem cirurgião era visto como uma ameaça à ordem médica estabelecida. Não havia espaço para ele ali. Se quisesse continuar inovando, teria que buscar novos caminhos.

Determinou-se a tentar a sorte na Berliner Charité, a mais prestigiada instituição médica da Alemanha, onde a ciência avançava em ritmo acelerado. Se existia um lugar onde suas ideias poderiam florescer, era ali. Mas, no Charité a recepção foi bem diferente da que imaginava. Trabalhando sob a supervisão do lendário Ferdinand Sauerbruch, um dos mais respeitados cirurgiões da época, Forssmann acreditava que finalmente encontraria um ambiente fértil onde sua capacidade de inovar seria reconhecida. Contudo, a reputação de seu feito em Eberswalde já o precedia.

Sauerbruch admirava sua destreza técnica, mas não tolerava sua rebeldia. Aos olhos do professor, Forssmann não era um inovador, mas um jovem indisciplinado que desrespeitava protocolos. “Você certamente não pode começar a cirurgia desta maneira!” — disse, escandalizado, ao observar o jovem cirurgião tentando implementar um novo passo em um procedimento cirúrgico já bem estabelecido. O veterano cirurgião via Forssmann como um risco iminente, alguém que desafiava a ordem cirúrgica estabelecida de maneira inaceitável. Pouco tempo depois, o jovem foi expulso da instituição.

De promissor pioneiro da cardiologia, Forssmann agora se via um exilado dentro de sua própria profissão. Sem apoio e com a cardiologia lhe fechando as portas, não restava alternativa a não ser reconstruir sua carreira do zero. Assim, ele abandonou a pesquisa cardiovascular e migrou para a Urologia, ficando esquecida por anos a técnica que ele havia arriscado a própria vida para provar..


A Reviravolta: O Nobel e a Confissão Amarga

Durante os anos 1930 e 1940, a Alemanha mergulhava em um caos político e militar, e Forssmann, como muitos de sua geração, filiou-se ao Partido Nazista e serviu como oficial médico na Segunda Guerra Mundial, alcançando a patente de Major.
Porêm a sorte mais uma vez não lhe sorria e quando o conflito terminou, ele viu-se do lado perdedor. Capturado pelos norte-americanos, foi enviado para um campo de prisioneiros de guerra, onde passou anos longe da medicina, longe da ciência e, acima de tudo, longe do seu próprio legado e o mundo avançava sem ele.

Após sua libertação, voltou para uma Alemanha devastada, onde as cidades estavam em ruínas, a fome era uma realidade diária e a estrutura médica que um dia conhecera simplesmente não existia mais. Sem prestígio e sem oportunidades, foi trabalhar como lenhador — ironicamente cortando árvores em vez de seres humanos. Depois, quando a vida começou a estabilizar-se, encontrou uma pequena posição como médico de campo na remota Floresta Negra, longe da ciência dos grandes centros acadêmicos.

O que Forssmann entretanto não sabia era que, do outro lado do Atlântico, seu experimento esquecido na Alemanha estava sendo transformado em uma verdadeira revolução pelas mãos dos médicos André Cournand e Dickinson Richards que haviam encontrado suas antigas publicações e decidiram testar a técnica de cateterismo cardíaco em larga escala. Utilizando os recursos abundantes do Bellevue Hospital de Nova York, eles aperfeiçoaram e sistematizaram o método, tornando-o uma ferramenta essencial para o diagnóstico e tratamento de doenças cardiovasculares.

Então, em 1956, Forssmann é pego de surpresa e recebeu uma notícia que mudaria tudo. Um telegrama da Real Academia Sueca de Ciências anunciava que ele havia sido agraciado com o Prêmio Nobel de Fisiologia ou Medicina, junto com Cournand e Richards, por sua contribuição pioneira no desenvolvimento do cateterismo cardíaco.

Era uma reviravolta monumental. O jovem médico que havia sido humilhado, ridicularizado, demitido, apagado da história e relegado ao ostracismo, agora recebia a maior honraria científica do mundo. Mas para Forssmann, essa vitória veio com um gosto um pouco amargo. Décadas haviam se passado. Seu nome quase desaparecera da história e outros haviam colhido os frutos de sua ideia.
Ao receber o prêmio, ele proferiu uma frase que revelava tanto seu orgulho quanto sua mágoa:

“Sinto que plantei um pomar e outros colheram os frutos, rindo de mim o tempo todo.”

Seus esforços finalmente foram reconhecidos, mas a glória não lhe pertencia por completo. No entanto, o impacto de sua ousadia foi além da cardiologia. Seu experimento, inicialmente considerado uma loucura perigosa, não só revolucionou o diagnóstico e tratamento das doenças cardíacas, mas também pavimentou o caminho para a radiologia intervencionista moderna, abrindo possibilidades para angioplastias, valvoplastias, implantes de stents e tantos outros procedimentos que hoje salvam milhões de vidas.

Forssmann morreu em 1979, aos 74 anos, sabendo que sua coragem inicial — aquela que lhe custou a carreira e quase lhe custou a vida — havia mudado para sempre a medicina.


Referências Selecionadas

1 – Forssmann W. Die Sondierung des rechten Herzens. Klinische Wochenschrift. 1929;8(45):2085-2087.

2 – Cournand A, Richards DW. Right heart catheterization in man. Nobel Lecture. 1956.

3 – Fye WB. Werner Forssmann, MD: A Pioneer of Cardiac Catheterization. Circulation. 1997;96(8):2664-2668.

4 – Blumgart LH. Werner Forssmann. In: Some Eponymous Aspects of Cardiology. London: Butterworth; 1965.


Gustavo Carvalho, MD, MBA, MSc, PhD, é Cirurgião Geral, Professor Adjunto de Cirurgia Geral da UPE, Pós-Graduado em Cirurgia Digestiva pela Universidade KEIO no Japão e Consultor de Inteligência Artificial da AMIGO TECH.

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