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Cerco a universidades dos EUA traz receio a pesquisadores brasileiros

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Estudantes e pesquisadores brasileiros que estão nos Estados Unidos ou que pretendem desenvolver pesquisas em universidades no país, principalmente nas áreas de humanidades, enfrentam um cenário de incertezas no governo de Donald Trump. Quem já está no país relata um sentimento de insegurança. Quem deseja ir cogita adiar os planos ou buscar outras alternativas.  

Desde que assumiu o governo, o presidente norte-americano tem atacado as universidades, anunciado cortes e criticado principalmente pesquisas voltadas para temas sociais. O país abriga universidades que estão entre as mais prestigiadas do mundo como Harvard, Stanford e Columbia, e os efeitos das medidas geram insegurança para pesquisadores de todo o mundo, incluindo os brasileiros.

A presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Denise Pires de Carvalho, chegou a orientar os pesquisadores que desejam ir aos EUA a ter um plano B. Segundo a Capes, ao menos 96 pesquisadores brasileiros desistiram de fazer parte do doutorado nos Estados Unidos este ano.

A Agência Brasil conversou sobre a situação atual com quatro pesquisadores brasileiros cujos estudos são voltados para os EUA .


Rio de Janeiro (RJ), 11/07/2025 - Personagem Marco Aurélio - Pesquisadores brasileiros enfrentam incertezas para pesquisar nos EUA.
Foto: Marco Aurélio/Arquivo Pessoal
Rio de Janeiro (RJ), 11/07/2025 - Personagem Marco Aurélio - Pesquisadores brasileiros enfrentam incertezas para pesquisar nos EUA.
Foto: Marco Aurélio/Arquivo Pessoal

Medo de falar português

O professor de filosofia da Universidade São João del-Rei (UFSJ) Marco Aurélio Sousa Alves está nos Estados Unidos com um bolsa de pós-doutorado na Rutgers University, em Nova Jersey. Esta não é a primeira vez que está no país: ele cursou o doutorado nos EUA, onde morou por sete anos, até 2014, quando voltou Brasil. Agora, pouco mais de dez anos depois, diz que encontrou um país muito diferente.

“Os próprios americanos, ou seja, a academia, de forma geral, se sente atacada pelo governo. As universidades estão sendo atacadas, estão cortando verbas deles”, diz.

O pesquisador conta que o estrangeiro é mais vulnerável, porque, somados ao ataque às universidades, há os ataques aos imigrantes. Nesse cenário, ele se sente inseguro até mesmo de falar português na rua.

“Tenho um receio que eu não tinha antes, de ser um estrangeiro falando uma língua latina nesse país. A sensação é de que eles querem mandar esse povo embora. Virou uma caça às bruxas”.

Dentro da universidade, no entanto, ele diz que tem recebido o melhor tratamento possível, tanto dos colegas quanto da própria instituição. “Há uma preocupação para que você não fique mal, inclusive do pessoal da administração da universidade. Eles ficam mandando e-mails sistemáticos tentando tirar dúvidas e deixar todo mundo mais confortável”.

A bolsa de Marco Aurélio tem a duração de um ano, até o final deste ano. Ele pretende concluir o trabalho. “Não estou aqui à toa. A verdade é que na minha área ─ eu estudo filosofia da mente e filosofia da consciência ─ há muitos anos, os Estados Unidos, as universidades americanas, têm os melhores pesquisadores. Boa parte da produção de melhor qualidade no mundo hoje é americana”.

Programa suspenso

O estudante de mestrado em filosofia na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Victor Angelucci, planejava concorrer a uma bolsa para fazer o doutorado nos Estados Unidos a partir do próximo ano. Ele queria seguir os passos do professor Marco Aurélio, para quem, inclusive, pediu conselhos sobre o intercâmbio.

O estudante de pós-graduação procurou o Programa de Intercâmbio Educacional e Cultural do Governo dos Estados Unidos da América, representado pela Fullbright Brasil, que, até ano passado, concedeu bolsas para doutorado pleno na área na qual pesquisa. Mas, em maio, recebeu um e-mail que informava que as bolsas foram suspensas: “Não teremos mais editais para Doutorado Pleno. Recomendamos que entre em contato com a EducationUSA. Eles podem te direcionar para outras instituições que tenham programa na sua área de interesse”.

A resposta foi frustrante, pois, segundo o estudante, este era o caminho mais viável e seguro para estudar nos Estados Unidos. O programa era voltado para estudantes brasileiros e fazia uma ponte entre as universidades dos dois países. Participar de outros programas de seleção, como sugerido pela Fullbright Brasil, significa também concorrer com estudantes do mundo inteiro.

“De fato, hoje, o Estados Unidos é o país o líder em filosofia do mundo. É a área de destaque, onde estão os grandes especialistas, as pessoas que estão publicando mais, que são mais lidas. Então, é uma perda tremenda para o Brasil a extinção dessa bolsa”.

Procurado, o diretor executivo da Fullbright Brasil, Luiz Loureiro, diz que as mudanças nas ofertas de bolsas são comuns e “uma necessidade derivada da evolução do ambiente acadêmico”. Ele não mencionou nenhuma diretriz específica do governo americano e disse ainda que a organização optou por investir no doutorado sanduíche, no qual o estudante desenvolve apenas parte da pesquisa em outro país.  

“A diminuição contínua no número de candidatos qualificados para o doutorado pleno e o aumento constante de candidatos para bolsas de doutorado sanduíche motivou a suspensão do primeiro, com a consequente duplicação da oferta de bolsas do doutorado sanduíche”, afirmou.

 


Manifestantes se reúnem em um protesto organizado  pedindo à liderança de Harvard que resista à interferência do governo federal na universidade em Cambridge, Massachusetts, EUA
12/04/2025
REUTERS/Nicholas Pfosi
Manifestantes se reúnem em um protesto organizado  pedindo à liderança de Harvard que resista à interferência do governo federal na universidade em Cambridge, Massachusetts, EUA
12/04/2025
REUTERS/Nicholas Pfosi

Bolsa negada

O professor de direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Augusto Jobim teve a ida aos Estados Unidos como professor visitante cancelada no início deste ano. O professor pesquisa a ascensão das extrema da extrema direita e os fenômenos do fascismo no Brasil.  


Rio de Janeiro (RJ), 11/07/2025 - Personagem Augusto  - Pesquisadores brasileiros enfrentam incertezas para pesquisar nos EUA.
Foto: Augusto/Arquivo Pessoal
Rio de Janeiro (RJ), 11/07/2025 - Personagem Augusto  - Pesquisadores brasileiros enfrentam incertezas para pesquisar nos EUA.
Foto: Augusto/Arquivo Pessoal

Em dezembro de 2024, ele recebeu um e-mail do Programa de Intercâmbio Educacional e Cultural do Governo dos Estados Unidos da América, representado no país pela Fullbright Brasil, parabenizando pela pré-aprovação no Fullbright Award (Prêmio Fullbright). O prêmio concedia uma estadia de três meses como professor em uma universidade americana. Apesar de ser uma pré-aprovação, o e-mail, que solicitava mais informações e documentos, dizia que não haveria mais nenhuma análise quanto ao mérito das candidaturas e que se tratava, a partir de então, de uma “fase burocrática interna do programa”.

Após a posse de Trump, no entanto, em março, o professor recebeu um e-mail da Fullbright Brasil que dizia: “Em razão das novas diretrizes do Governo Americano, estamos no aguardo das diretrizes oficiais para dar continuidade ao processo”. Dias depois, veio a recusa: “Infelizmente, sua inscrição não recebeu a aprovação final do Programa Fullbright, financiado pelo governo dos EUA”.

Depois do que passou, ele concorda com a presidente da Capes. “Tem que pensar literalmente no plano B, como a Denise falou”, defende.

“Alunos meus não aplicaram para ir para os Estados Unidos no ano passado, já tendo em vista essa nova possibilidade que havia do governo Trump. Sim, a gente ponderou e não submeteu para lá. Eles foram para Reino Unido, Itália”, conta.

Pesquisa sensível


Rio de Janeiro (RJ), 11/07/2025 - Personagem Laura - Pesquisadores brasileiros enfrentam incertezas para pesquisar nos EUA.
Foto: Laura/Arquivo Pessoal
Rio de Janeiro (RJ), 11/07/2025 - Personagem Laura - Pesquisadores brasileiros enfrentam incertezas para pesquisar nos EUA.
Foto: Laura/Arquivo Pessoal

A professora de história na Universidade de Brasília (UnB) Laura de Oliveira Sangiovanni aguarda o resultado de uma bolsa de pós-doutorado para poder dar continuidade, nos Estados Unidos, à pesquisa que desenvolve. Com a pesquisa voltada para relações Brasil-Estados Unidos, ela investiga, por exemplo, como os EUA financiaram publicações anticomunistas de editoras no Brasil na Guerra Fria. Ela também estuda supostos testes americanos de arma biológica na Amazônia.

Os temas pesquisados são, como ela mesma define, sensíveis. Mesmo asism, ela já esteve nos EUA para desenvolver os estudos, em 2011 e em 2017. Agora, acredita que há ainda mais dificuldade e teme não conseguir o visto para viajar.

“Todo mundo que pesquisa essa área, mas especialmente quem pesquisa temas sensíveis, como é o meu caso, sabe que a concessão do visto não vai ser uma coisa tão simples assim”, diz. “A expectativa é ruim, não só em relação à negativa, à não concessão do visto, mas em relação a algo que eu acho que pode até ser pior ─ estamos trabalhando no campo das hipóteses ─, que é de eles concederem visto e o pesquisador passar por algum tipo de constrangimento, passar por algum tipo de constrangimento na imigração ou mesmo nos arquivos”.

Laura explica que muitos dos arquivos que precisa acessar estão disponíveis apenas presencialmente. O receio é que não consiga ter acesso a esses documentos, mesmo cumprindo todas as determinações legais e burocráticas.

“Pensando especificamente nesse campo de estudos de pesquisadores de Brasil e Estados Unidos, se a gente não consegue seguir avançando nas pesquisas sobre a presença americana no Brasil e na América Latina, sobre a relação com as ditaduras, sobre como a Guerra Fria foi experienciada na América Latina, isso representa não só um atraso, um retrocesso do ponto de vista do desenvolvimento da ciência, mas isso também nos fragiliza politicamente”, diz.

Caso seja aprovada, ela não pensa em desistir da bolsa e da ida aos Estados Unidos. Se for reprovada, Laura ressalta que, mesmo sem acesso aos arquivos norte-americanos, a pesquisa não será interrompida. Ela acredita que o momento pode, inclusive, possibilitar o uso de outras fontes, como os arquivos no Brasil e na América Latina.

“No meu caso, por exemplo, no ano passado, eu estive em Belém, eu pesquisei em vários arquivos em Belém e achei fontes muito importantes que, evidentemente, eu não encontrei e não encontraria nos Estados Unidos”, diz. “Essas barreiras prejudicam e limitam as nossas possibilidades de pesquisa, mas elas não nos interrompem e podem ter um efeito também interessante de ser observado, que é o fortalecimento das narrativas de uma perspectiva periférica”.

Fonte: Agência Brasil

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