Especialistas apontam que, se comprovado dolo ou erro grosseiro, ministro do STF pode ser alvo de ação regressiva da União por abuso de autoridade, especialmente no caso da morte de Clésio Santos.
A morte do réu Clésio de Oliveira Santos, conhecido como Clesão, em custódia no sistema prisional federal, mesmo após recomendação médica e manifestação da própria Procuradoria-Geral da República (PGR) para sua soltura por razões humanitárias, reacendeu um debate jurídico delicado, porém necessário: Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) podem ser responsabilizados pessoalmente por atos praticados com dolo ou abuso de autoridade?
Segundo juristas consultados e a própria Constituição Federal, a resposta é sim — ainda que a prática seja rara e cercada por entraves políticos e institucionais.
A Constituição e o princípio da responsabilidade
O artigo 37, §6º da Constituição de 1988 é claro:
“As pessoas jurídicas de direito público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”
Ou seja, a União responde pelos atos dos ministros, mas pode processá-los para reaver os valores pagos, caso se comprove que houve má-fé ou erro grave. Esse mecanismo é conhecido como ação de regresso, e se aplica inclusive a magistrados de cortes superiores, como o STF.
Caso Clésio: o ponto de inflexão
No caso de Clesão, as evidências são contundentes:
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Laudos médicos atestavam seu quadro clínico grave;
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A PGR solicitou formalmente sua libertação para tratamento de saúde;
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Mesmo assim, o ministro Alexandre de Moraes negou reiteradamente a soltura, mantendo-o encarcerado em condições incompatíveis com seu estado físico e psicológico.
O resultado foi trágico: Clésio morreu sob custódia, sem acesso ao tratamento necessário, gerando comoção nacional e colocando o Brasil novamente sob escrutínio internacional por violação de direitos humanos.
Ministro pode pagar do próprio bolso?
A resposta, embora incomum, é juridicamente possível. A responsabilização pessoal não decorre do cargo ocupado, mas da existência de dolo (intenção de prejudicar) ou de erro grosseiro (violação manifesta e inaceitável do direito).
De acordo com a Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869/2019), configura crime:
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Art. 9º – “Deixar de relaxar prisão manifestamente ilegal”.
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Art. 13 – “Decretar ou manter prisão em desconformidade com os requisitos legais”.
Caso a conduta do ministro seja enquadrada como intencional ou grosseiramente arbitrária, a AGU (Advocacia-Geral da União) pode, em tese, ajuizar ação de regresso exigindo que Alexandre de Moraes responda com seu próprio patrimônio pelos danos causados à vítima e à União.
Precedente perigoso e a crise institucional
O caso levanta um precedente perigoso: o uso da toga como instrumento de repressão política. Organizações jurídicas, parlamentares conservadores e especialistas já se mobilizam para apresentar representações formais contra o ministro, inclusive junto à Corregedoria do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e ao próprio Senado Federal, onde tramita pedido de impeachment contra ele desde 2023.
“Não se pode tolerar que um juiz use seu cargo para praticar perseguição ideológica ou negar assistência médica a um preso apenas por vingança política”, afirmou o jurista Rafael do Amaral, doutor em Direito Constitucional pela USP.
Ação civil e penal à vista?
A possibilidade de responsabilização pessoal de Moraes não está restrita à esfera civil. A depender da interpretação dos fatos, o caso poderia ser qualificado como crime de homicídio culposo por omissão, ou crime funcional, conforme previsto no Código Penal e na Lei de Abuso de Autoridade.
Entidades como o Instituto de Garantias Individuais (IGI) e a Associação dos Juristas Cristãos do Brasil já anunciaram que ingressarão com notícia-crime contra o ministro, exigindo investigação pelo Senado e pela PGR.
Conclusão: a toga não é escudo para abusos
O caso Clesão expõe o que muitos temiam: a subversão do poder Judiciário em um instrumento de repressão e vingança política. O ministro Alexandre de Moraes, ao ignorar parecer técnico da PGR e privar um ser humano do direito básico à saúde, pode ter ultrapassado os limites funcionais da magistratura — o que, se confirmado, o coloca sob risco real de ser responsabilizado pessoalmente por seus atos.
No Brasil da Nova República Judicial, a pergunta não é mais se um ministro pode pagar pelos seus abusos — mas quando a coragem institucional será suficiente para exigir que ele pague.
Se confirmada a responsabilidade do Estado, a família de Clesão poderá ser indenizada com valores que ultrapassam R$ 500 mil, entre danos materiais, morais e lucros cessantes. A sociedade, por sua vez, aguarda que a justiça não sirva apenas para punir os fracos, mas para responsabilizar os poderosos quando abusam da força do Estado.