Éramos sete. Seis, dez… Éramos muitos. Várias fases. Uns se agregaram, outros se desgarraram por motivos diversos. Mas todos viveram e ainda neste terceiro tempo ainda vivem e muito. Sobraram poucos. Agora começamos a ficar mais pobres. Foi embora o Ganso André da Terra – Andrey Bruscky. Ou nos juntamos logo e logo, ou daqui a pouco vai outro e choraremos mais até nos irmos antes, talvez. O tempo é cruel. É real e ligeiro. E não jogamos mais “dorme-dorme” (dominó), nosso poquerzinho dos sábados (que vai estar faltando ele – o Ganso – com sua alegria, e não vai ser o mesmo). Portanto, queridos amigos patoteiros das ruas do Progresso, Paraíso e Arquimedes de Oliveira… Olho no relógio, no corre-corre! Vale à pena? Parodiando Nikolay Gogol, conforme você passa dos anos suaves da infância, da rebeldia da juventude para a azeda maturidade e para a amarga velhice, tenha certeza de que está levando consigo em sua caminhada todas as emoções humanas. Não as deixe pra trás na estrada do esquecimento, porque você jamais vai pegá-las depois!
Quando eu tinha meus nove, dez anos de idade, já taludinho e querendo engrossar a voz, o meu Recife, a minha Boa Vista eram outros – cheio do cheiro da boa vivência. O fino para um menino. Vivia o resquício romântico au grand complet dos anos 50 terminais, e que marcaria a infância de uma geração. Pra frente, foi outra história A minha infância foi o primeiro tempo desse jogo da vida.
Exatamente nessas eras, grupos de meninos se dividiam e diversificavam-se – pela idade, fios de bigodes finos e a fanfarronice de querer ser maior do que os outros. No fim tava tudo igual. Aí se faziam brilhar confrarias, gerando até hoje, provavelmente, um companheirismo luzidio e uma sentimental amizade.
As ruas arborizadas eram serenas e oitis maduros caíam na cabeça da gente. Os homens já haviam aposentado os chapéus de suas cabeças, mas continuavam fumando, muito mais gratificante e tenebrosamente. Infelizmente, não mexeram com a minha Rua do Progresso. Todavia na Boa Vista, os políticos batizavam ruas com nomes de doutores fulanos de tal. A Rua Arquimedes de Oliveira, por exemplo. O nosso poeta maior, Manuel bandeira, numa alameda qualquer do infinito onde deva estar ainda lamenta tamanha profanação
Pois é, prezados leitores, cada um conta a sua história, e você deve agora sonhar seus tempos, sua turma, suas presepadas, sua alegria, onde quer que morem ou vivam. Oh, tempo!
Eduardo “frankstein” foi embora ainda menino e os outros desapareceram na névoa difícil da sobrevivência – estudos, mudanças, famílias novas, ou, por fim, também se foram. Paulo Maurício (Andrey o chamava de Maruca), era o segundo da safra acima da gente, mas Zé Augusto foi eleito presidente da Patota – perpétuo – e ainda se garante. Paulinho Bruscky e Horácio Ferreira (meu compadre e querido amigo) faziam e bordavam todos os atos hediondos, como jogar ovos podres na casa de dona Nenca – não eram tanto assim. Tinha outra rua nomeadamente telúrica: a Emboabas, onde se “roubavam” mangas para não comprá-las – “Olha a manga carnuda, doce e cheirosa. A manga é pra comer e o cheiro é pra botar no lenço”.
A casa de seu Antonio e dona Gustinha, nº 46, da Rua Paraíso, era a sede da Patota. Nas redondezas tínhamos seu Caetano e a senhora, Lulinha de Melo Reis, bom de tribuna e grande figura humana, legando para o hoje caçula da Patota, Bruno Reis, tal a máxima de Ésquilo: “com memória paternal à sabedoria”. O time de futebol Dínamo, depois Real, desfilando nos Aflitos. Seu Biu, Abacate, Abacaxi e Laranja, Luiz Alberto saltitante – e a escalação da equipe, comemorada até por Barbosa Filho (famoso comentarista brasileiro): Frankstein, Wite-Luiz Antônio, Berra, Horácio, Andrey, Dão, Paulinho, Flávio, Ivo, Tantão, Zequinha e Adalberto, sob a batuta de Armando Soares. Tinha Antonio Manuel Cruz – Manú, Telga Gomes de Araújo e outra porção de figuras. A casa de Ênio Rosendo e o pôquer dos sábados. Tinha Artur Teco Lopes, Nilzo Nery, Maurício Mota, Décio Fonseca, e Roberto Dadá Pacheco.
A casa de dona Graziela Bruscky era outra sede: Sérgio e Tatiana, os mais disciplinares rebentos, comandavam todos os irmãos mais novos como Alex-Lequinho e Vera-fera verinha, além, óbvio do motivo da minha nostalgia: o querido Andrey. O nosso André da Terra e dentista broca de ouro – a figura mais folclórica da Patota: “Sine qua non!… O que é Berra e Horacito?… Quem está com a verdade não tem parente nem amigo!… Vai Bezerra: O coelho sai, não sai?… Foi em Santo Antonio, Mucuripe!… O que é Ivo de Melo “Reis ou Guerra”?… Adalberto, o amor é lindo! (eles brigavam e se amavam)… Atchim!… Só com parmegiana!”…
Pois bem, gente. A saudade é grande, e olhe que é a primeira. Já está faltando ele, o Ganso, magro de nariz pontudo e queixo arregalado – e dentuço. O “aranha negra” quando defendia o gol do time da rua. O humanista, que ajudava beneficentemente a Matriz da Piedade e atendia os pobres que se achegavam ao seu consultório sem ter o dinheiro para o ônibus de volta. Não sei quanto nos resta. Horácio Ferreira, Antonio e Adalberto Guerra, Ivo Reis de Melo, Zé Augusto (Flávio “Gato” José De Castro – há muito ausente), agora Bruno, e eu.
Será? Ainda somos sete? Que bom. É conta de mentiroso. Valeu saudoso amigo de todos nós (que nos deixou Andreyzinho e Serginho), mas para seu desconforto, Horácio, com toda sua teimosia e carinho acha que devemos “adiar” o quanto pudermos nosso reencontro.
Um grande beijo dos seus verdadeiros amigos.
Rivaldo Paiva é escritor – E-mail: paiva.rivaldo@hotmail.com