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Rio de Janeiro fez 4.600 operações policiais mesmo com ADPF

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Sob críticas do governo do estado do Rio de Janeiro, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 635, conhecida com ADPF das Favelas, terá seu julgamento retomado nesta quarta-feira (5) pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A ação foi impetrada pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB) em 2019, com o argumento de que ações policiais, em vez de prevenir mortes e conflitos armados, incentiva a letalidade promovida pelo Estado.

Com a covid-19, em 2020, o ministro do STF Edson Facchin decidiu suspender, em junho daquele ano, as operações policiais em comunidades do Rio durante a pandemia. As ações deveriam ser restritas a casos excepcionais e serem informadas previamente ao Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ).

Facchin também determinou a instalação de câmeras nas fardas e equipamentos de GPS de policiais, além da gravação em áudio e vídeo nas viaturas, inclusive para as unidades de operações especiais da Polícia Militar (Bope) e da Polícia Civil (Core).

Em agosto de 2020, uma nova liminar do STF passou a restringir o uso de helicópteros apenas para casos de estrita necessidade, já que a Justiça considerou que as aeronaves estavam sendo usadas como plataformas de tiro.

A realização de ações próximas a creches, escolas e unidades de saúde deveria ser excepcional e justificada ao Ministério Público. Além disso, foi proibido o uso dessas instalações como base policial durante as operações.

Em abril de 2024, representantes do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) concluíram que a única forma de fiscalizar a atuação policial e preservar os direitos humanos seria garantir uma supervisão do MPRJ sobre os dados de investigações, ocorrências e operações policiais.

Governo

O governador fluminense, Cláudio Castro, criticou, nesta terça-feira (4), a ADPF 635, durante um discurso na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), afirmando que a medida retira, do povo, o direito à segurança pública.

“Ninguém aqui foge à crítica ou de um processo de melhoria e evolução. Acho positivas as situações em que a ADPF venha melhorar a atividade policial e o reforço na transparência. Os casos complexos são esse critério de extraordinariedade, que vem de encontro à ostensividade, que é o trabalho da polícia. Quando você cria uma ideia de extraordinariedade, tiramos do povo, da comunidade, o direito de ter uma polícia ostensiva”, afirmou o governador, segundo nota divulgada pela assessoria de imprensa.

Castro afirmou ainda que o Rio de Janeiro sofre efeitos colaterais negativos com a ADPF.

Na última terça-feira, a prefeitura do Rio de Janeiro entrou como amicus curiae (parte interessada) no processo de julgamento da ADPF. Segundo o prefeito Eduardo Paes, o município do Rio tem visto “um aumento da ocupação territorial pelo crime organizado”, “em qualquer lugar que se vá”.

“Essa APDF tem um problema grave. A impressão que se tem é que, de um lado, ela serviu de desculpa para aqueles que não querem trabalhar ou não tem competência para fazer valer a autoridade e o monopólio da força do Estado em determinadas áreas do território da cidade. De outro lado, também cria uma sensação de que o Rio de Janeiro virou, sei lá, um resort para delinquentes”, disse o prefeito, em vídeo divulgado em suas redes sociais.

Segundo Paes, a prefeitura entende que tem um papel importante a contribuir nessa discussão. “É importante que essas medidas que são exigidas fiquem claras, que o Supremo Tribunal Federal diga claramente: ‘não está impedida a polícia de agir. Só exigimos que aja dentro da legalidade’”, disse o prefeito.

O governador Cláudio Castro, por sua vez, afirmou que o Estado tem combatido o crime com inteligência e investigação e cobrou das prefeituras maior participação no ordenamento urbano e no trabalho de segurança pública, com guardas municipais mais equipadas.

Ações policiais

Apesar de o governador afirmar que a ADPF prejudica o trabalho de ostensividade da polícia, as liminares do STF não impediram que as forças policiais fluminenses realizassem mais de 4 mil operações policiais no período.

Segundo dados divulgados pelo MPRJ, de junho de 2020 a janeiro deste ano, as policiais Civil e Militar do Rio de Janeiro comunicaram a realização de cerca de 4.600 operações em comunidades do estado, ou seja, uma média de três operações por dia.

Apenas em 2024 e no primeiro mês deste ano, foram 1.354 operações, sendo 1.208 da PM e 146 da Civil. O acompanhamento dessas ações gerou a elaboração e distribuição de 315 Notícias de Fato (sendo 41 apenas este ano), que são procedimentos iniciais para apurar a ocorrência de ilegalidades, como violações de direitos e mortes. Esses casos foram encaminhados para as Promotorias de Justiça competentes para serem analisadas.

Outro dado informado pelo MPRJ foi o número de mortes registrados por seu Plantão de Monitoramento de Operações Policiais, que chegou a 236 neste período. Também foram registrados 177 casos de lesão corporal por projétil de arma de fogo.

Nesta terça-feira, o MPRJ criou um novo Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp), com o objetivo de aperfeiçoar o trabalho de controle externo da atividade policial.

“O MPRJ irá cumprir à risca todas as determinações da ADPF, de acordo com o julgamento do mérito por parte do STF e atuando dentro da ótica constitucional de exercer o controle externo da atividade policial. A instituição irá cobrar, das forças policiais, o cumprimento dos protocolos determinados pela ADPF, realizando um controle preventivo, concomitante e superveniente da atividade policial”, afirmou o procurador-geral de Justiça do estado, Antonio José Campos Moreira.

O pesquisador do Grupo de Estudos de Novos Ilegalismos (Geni) da Universidade Federal Fluminense (UFF) Daniel Hirata diz que é uma falácia afirmar que a ADPF tem o objetivo de impedir operações policiais.

“As operações policiais são necessárias no cenário do Rio de Janeiro, que é um território pontuado pelo controle territorial de vários grupos em conflito. A questão principal nunca foi impedir o trabalho das forças policiais, que é super importante, mas, sim, fazer com que essas ações garantam a segurança dos moradores de favelas e periferias do Rio de Janeiro”.

Dados compilados pelo Geni/UFF mostram que houve até um número maior de operações do que aquelas comunicadas ao MPRJ. Segundo o grupo de estudos, foram 5.833 operações de 2021 a 2024, uma queda de apenas 14% em relação ao período de 2016 a 2019.

Outro dado apresentado pelo Geni/UFF é o aumento no número de operações que ocorreu, ano após ano, desde 2021. Em 2024, por exemplo, segundo o grupo de estudos, foram 1.966 operações ante 852, em 2021.

“Nos últimos anos, houve um aumento do número de operações policiais. O que ocorre é que temos tido muito menos mortos durante operações policiais e isso é resultado da ADPF 635, porque nós temos aí uma série de parâmetros para garantir a segurança dessas ações”, disse Hirata.

Segundo a diretora-executiva do Instituto Fogo Cruzado, Cecília Olliveira, a ADPF 635 tem se mostrado um instrumento fundamental “na proteção de vidas e no planejamento de ações de segurança pública no Rio de Janeiro, com impactos concretos e mensuráveis”, afirma. “Somente nas primeiras semanas de vigência, a ADPF conseguiu poupar, em média, nove vidas por semana. Em seu primeiro ano de implementação, houve uma redução de 23% nos tiroteios e 26% no número de pessoas baleadas”.

A coordenadora de Direito e Segurança Pública da organização não governamental Redes da Maré, Tainá Alvarenga, diz que a ONG, que atua no Complexo da Maré, na zona norte do Rio, tem acompanhado de perto o trabalho da polícia na comunidade.

“A importância da ADPF na preservação de vidas nas favelas está materializada. A gente tem uma diminuição, no estado do Rio de Janeiro, em apenas quatro anos, a letalidade diminuiu 51,9%, passando de 1.814 mortes em 2019 para 871 em 2023”, afirma.

Outra entidade que participará como amicus curiae no julgamento desta quarta-feira é a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Por meio de nota, a instituição defendeu a ADPF.

“Reiteramos a necessidade de um esforço conjunto para a construção de uma segurança pública cidadã, onde as forças policiais sejam parte de um processo de garantia de direitos que assegure a segurança de toda a população. Embora o estado do Rio de Janeiro tenha um número exorbitante de territórios dominados por grupos criminosos armados, o uso da força de forma indiscriminada pelas forças do Estado não vem diminuindo, ao longo do tempo, esses domínios criminosos, o que por si só deveria ser um indício de que outras estratégias, pautadas em ações de inteligência, devem ser adotadas como caminho preferencial”, informa a nota da instituição.

Fonte: Agência Brasil

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